domingo, abril 26, 2009

26 de Abril, Queremos asas já!

Não imites a paciência das macieiras
que esperam, há séculos, com o sol por dentro,
o azul total
e as reacções químicas necessárias
para nascerem asas nas maçãs
que pintarão de outra luz
a longa paciência da terra
no ruído calado das manhãs.

Agora são os homens que não querem esperar.
Nem eu com eles.
Queremos asas já.

Abaixo a tua paciência, macieira,
e viva a dinamite verdadeira!

José Gomes Ferreira

sábado, abril 25, 2009

25 de Abril, Sempre! Não voltaremos atrás!

Maria Helena Vieira da Silva

Ontem apenas
fomos a voz sufocada
dum povo a dizer não quero;
fomos os bobos-do-rei
mastigando desespero.

Ontem apenas
fomos o povo a chorar
na sarjeta dos que, à força,
ultrajaram e venderam
esta terra, hoje nossa.

Uma gaivota voava, voava,
assas de vento,
coração de mar.
Como ela, somos livres,
somos livres de voar.

Uma papoila crescia, crescia,
grito vermelho
num campo cualquer.
Como ela somos livres,
somos livres de crescer.

Uma criança dizia, dizia
"quando for grande
não vou combater".
Como ela, somos livres,
somos livres de dizer.

Somos um povo que cerra fileiras,
parte à conquista
do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
não voltaremos atrás.

Somos Livres - Ermelinda Duarte

sexta-feira, abril 24, 2009

24 de Abril, Há sempre alguém que resiste!

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio -- é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Trova do vento que passa - Manuel Alegre


Música por António Portugal e Interpretação por Adriano Correia de Oliveira

quarta-feira, abril 22, 2009

Soeiro, 100 anos

Dois dias depois, quando o chefe da Polícia e dois agentes, munidos de chicotes, entraram na sala, Paulo amparava-se às paredes para se suster de pé. As pernas, inchadas, eram como dois trambolhos, as pisaduras negras em volta dos olhos mostravam a febre que o atormentava.
- Olá, tens passado bem? - casquinou o chefe. - Decerto já queres fazer declarações.
- Sim, quero.
- Ora, ainda bem - continuou aquele, esfregando as mãos. - À Gestapo portuguesa ninguém resiste...
O jovem desencostou-se da parede; oscilou um pouco, mas susteve-se.
- Sim, quero fazer declarações definitivas - repetiu, e tomou fôlego. Da cara tinham-se-lhe esbatido os vincos de sofrimento; só os olhos dominavam. - Sou comunista. Amo o meu partido e amo a minha pátria, que só poderá ser grande se o seu povo for livre. Eu luto e lutarei por essa liberdade...
A um sinal do chefe, os dois agentes não o deixaram continuar. Deitado no chão por uma chicotada, com a cara cortada de lado a lado, ficou a escabujar sob os golpes ininterruptos dos agentes, a resguardar a cabeça no casaco, como se este pudesse couraçá-lo. Já o sangue escorria das roupas para o chão e os agentes pareciam enojados, ainda o chefe gozava a cena, com sádica expressão. Por fim, quando Paulo quase não reagia às chicotadas, aquele levantou-lhe a cabeça e gritou:
- Fala, sacana!
- Não trairei...nem que... - começou Paulo a dizer.
Mas o polícia atirou-lhe um soco à boca, que lhe fez saltar os dentes da frente, de mistura com sangue e gemidos de dor.
O jovem caiu para trás. Dos seus lábios já não podiam soltar-se mais palavras. Mas os olhos, muito abertos, e os punhos cerrados, diziam por ele:
- Nem que me matem!

excerto de «Mais um Herói» (Contos Vermelhos), Soeiro Pereira Gomes

Soeiro Pereira Gomes foi um intelectual, escritor, resistente antifascista e dirigente do Partido Comunista Português. Soeiro passa à clandestinidade em 1945 para evitar a repressão do Estado Novo e continua a sua actividade militante. Acabará por adoecer com tuberculose e por morrer prematuramente, aos 40 anos, com ao agravamento da doença devido às dificuldades da vida clandestina.

Soeiro é um dos grandes nomes do neo-realismo em Portugal. O PCP por ocasião do centenário do seu nascimento elaborou uma exposição que retrata a sua vida obra. A exposição está disponível em PDF aqui.

domingo, abril 19, 2009

Bestas que ruminam

A gravata de fibra como corda
amarrada à camisa mal suada
um estômago senil que só engorda
arrotando riqueza acumulada.

Uma espécie de polvo com açorda
de comida cem vezes mastigada
de cadeira de braços baixa e gorda
de cómoda com perna torneada.

Um baú de tolice. Uma chatice
com sorriso passado a purpurina
e olhos de pargo olhando de revés.

Para dizer quem é basta o que disse
é uma besta humana que rumina
é um filho da puta é um burguês.

O burguês - José Carlos Ary dos Santos

sexta-feira, abril 17, 2009

Jesus

Encarando agora as sociedades organizadas, tal como actualmente se encontram, pergunta-se: quem deve ser o detentor da cultura?, a massa geral da humanidade, ou uma parte dela? à pergunta feita deve responder-se condenando a detenção da cultura como monopólio de uma elite, deve promover-se a cultura de todos e isso é possível porque ela não é inacessível à massa; o ser humano é indefinidamente aperfeiçoável e a cultura é exactamente a condição indispensável desse aperfeiçoamento progressivo e constante.

Eduquemos e cultivemos a consciência humana, acordemo-la quando estiver adormecida, demos a cada um a consciência completa de todos os seus direitos e de todos os seus deveres, da sua dignidade, da sua liberdade. Sejamos homens livres, dentro do mais belo e nobre conceito de liberdade - o reconhecimento a todos do direito ao completo e amplo desenvolvimento das suas capacidades intelectuais, artísticas e materiais.

Bento de Jesus Caraça

quarta-feira, abril 15, 2009

Esto sabemos

He aquí que tú estás sola y que estoy solo.
Haces tus cosas diariamente y piensas
y yo pienso y recuerdo y estoy solo.
A la misma hora nos recordamos algo
y nos sufrimos. Como una droga mía y tuya
somos, y una locura celular nos recorre
y una sangre rebelde y sin cansancio.
Se me va a hacer llagas este cuerpo solo,
se me caerá la carne trozo a trozo.
Esto es lejía y muerte.
El corrosivo estar, el malestar
muriendo es nuestra muerte.

Ya no sé dónde estás. Yo ya he olvidado
quién eres, dónde estás, cómo te llamas.
Yo soy sólo una parte, sólo un brazo,
una mitad apenas, sólo un brazo.
Te recuerdo en mi boca y en mis manos.
Con mi lengua y mis ojos y mis manos
te sé, sabes a amor, a dulce amor, a carne,
a siembra , a flor, hueles a amor, a ti,
hueles a sal, sabes a sal, amor y a mí.
En mis labios te sé, te reconozco,
y giras y eres y miras incansable
y toda tú me suenas
dentro del corazón como mi sangre.
Te digo que estoy solo y que me faltas.
Nos faltamos, amor, y nos morimos
y nada haremos ya sino morirnos.
Esto lo sé, amor, esto sabemos.
Hoy y mañana, así, y cuando estemos
en nuestros brazos simples y cansados,
me faltarás, amor, nos faltaremos.

He aquí que tú estás sola - Jaime Sabines

terça-feira, abril 14, 2009

Os livros

Foi logo na montra da livraria que descobriste a capa com o título que procuravas. Atrás desta pista visual, lá foste abrindo caminho pela loja dentro através da barreira cerrada dos Livros Que Não Leste, que de cenho franzido te olhavam das mesas e das estantes procurando intimidar-te. Mas tu sabes que não te deves deixar assustar, que no meio deles se estendem por hectares e hectares os Livros Que Podes Passar Sem Ler, os Livros Feitos Para Outros Usos Para Além Da Leitura, os Livros Já Lidos Sem Ser Preciso Sequer Abri-los Por Pertencerem À Categoria Do Já Lido Ainda Antes De Ser Escrito. E assim transpões a primeira muralha de baluartes e cai-te em cima a infantaria dos Livros Que Se Tivesses Mais Vidas Para Viver Certamente Lerias Também De Bom Grado Mas Infelizmente Os Dias Que Tens Para Viver São Os Que Tens Contados. Com um movimento rápido passas por cima deles e vais parar ao meio das falanges dos Livros Que Tens Intenção De Ler Mas Antes Deverias Ler Outros, dos Livros Demasiado Caros Que Podes Esperar Comprar Quando Forem Vendidos Em Saldo, dos Livros Idem Idem Aspas Aspas Quando Forem Reeditados Em Formato De Bolso, dos Livros Que Podes Pedir A Alguém Que Te Empreste e dos Livros Que Todos Leram E Portanto É Quase Como Se Também Os Tivesses Lido. Escapando a estes assaltos diante das torres de reduto, onde se te opõem resistência os Livros Que Há Muito Programaste Ler,
os Livros Que Há Anos Procuravas Sem Os Encontrares,
os Livros Que Tratam De Alguma Coisa De Que Te Ocupas Neste Momento,
os Livros Que Queres Ter Para Estarem À Mão Em Qualquer Circunstância,
os Livros Que Poderias Pôr De Lado Para Leres Se Calhar Este Verão,
os Livros Que Te Faltam Para Pores Ao Lado De Outros Livros Na Tua Estante,
os Livros Que Te Inspiram Uma Curiosidade Repentina,
Frenética E Não Claramente Justificada.
E lá conseguiste reduzir o número ilimitado das forças em campo a um conjunto sem dúvida ainda muito grande mas já calculável num número finito, mesmo que este relativo alívio seja atacado pelas emboscadas dos Livros Lidos Há Tanto Tempo Que Já Seria Altura De Voltar A Lê-los e dos Livros Que Dizes Que Leste e Seria Altura De Te Decidires A Lê-los Mesmo."

em «Se numa Noite de Inverno um Viajante», Italo Calvino

segunda-feira, abril 13, 2009

A palavra envenenada

Há vários modos de matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
- envenenada.

Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada
e o outro morre
- na sintaxe da emboscada.

Cilada Verbal - Affonso Romano de Sant'Anna

domingo, abril 12, 2009

Milagres

O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!

Dos milagres - Mário Quintana

sexta-feira, abril 10, 2009

Safo

Sappho and Erinna in a Garden at Mytilene - Simeon Solomon
Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem-querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro ... eu tremo.

Safo

quinta-feira, abril 09, 2009

Para o amor urgente

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.

O chão é cama - Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, abril 08, 2009

Como pode o amor trair o amor?

Casado, continuo a achar as mulheres irresistíveis.
Não deveria, dizem.
Me esforço. Aliás,
já nem me esforço.
Abertamente me ponho a admirá-las.
Não estou traindo ninguém, advirto.
Como pode o amor trair o amor?
Amar o amor num outro amor
é um ritual que, amante, me permito.

Fascínio - Affonso Romano de Sant'Anna

É bem melhor aceitá-las

Vês?

Veio o destino apartar-nos;
É preciso obedecer-lhe.
Mão oculta,
Quebrou, - e sem que a gente sentisse
O laço
Que nos prendia.

Porque seria?

Ainda quiz perguntar,
Mas, a quem?, doida agonia!

Não sei se fico contente,

Se hei de rir,
Se hei de chorar.

Ha coisas
Na vida inútil da gente
Que é bem melhor aceitá-las,
Assim: -
Silencioso, indiferente…

António Botto

segunda-feira, abril 06, 2009

Uma carta escondida

Nunca te disseram
que a aparência é só
o primeiro lance. Em todos
os jogos há sempre
uma carta escondida.

Albano Martins

domingo, abril 05, 2009

Espero curarme de ti

Espero curarme de ti en unos días.
Debo dejar de fumarte, de beberte, de pensarte.
Es posible.
Siguiendo las prescripciones de la moral en turno.
Me receto tiempo, abstinencia, soledad.

Te parece bien que te quiera nada más una semana?
No es mucho, ni es poco, es bastante.
En una semana se puede reunir todas las palabras de amor
que se han pronunciado sobre la tierra
y se les puede prender fuego.
Te voy a calentar con esa hoguera del amor quemado.
Y también el silencio.
Porque las mejores palabras del amor
están entre dos gentes que no se dicen nada.

Hay que quemar también ese otro lenguaje
lateral y subversivo del que ama.
(Tú sabes cómo te digo que te quiero cuando digo:
“que calor hace”, “dame agua”, “sabes manejar?”, “se hizo de noche”.
Entre las gentes, a un lado de tus gentes y las mías, te he dicho
“ya es tarde”, y tú sabías que decía “te quiero”.)

Una semana más para reunir todo el amor del tiempo.
Para dártelo.
Para que hagas con él lo que tú quieras:
guardarlo, acariciarlo, tirarlo a la basura.
No sirve, es cierto.
Sólo quiero una semana para entender las cosas.
Porque esto es muy parecido a estar saliendo
de un manicomio para entrar a un panteón.

Jaime Sabines

sexta-feira, abril 03, 2009

quarta-feira, abril 01, 2009

Vamos incendiar o mundo!

A poesia
quando chega
não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
relincha
como puta
nova
em frente ao Palácio da Alvorada.

E só depois
reconsidera: beija
nos olhos os que ganham mal
embala no colo
os que têm sede de felicidade
e de justiça

E promete incendiar o país

Subversiva - Ferreira Gullar