terça-feira, dezembro 28, 2010

Lo

Frígidas e nobres damas do júri! Eu pensara que decorreriam meses, ou talvez anos, antes de ousar revelar-me a Dolores Haze; mas às seis horas estava inteiramente acordada e às seis e um quarto éramos tecnicamente amantes. Vou-lhes dizer uma coisa estranha: foi ela que me seduziu.
Ao ouvir o seu primeiro bocejo matinal, fingi um belo sono de perfil. Francamente, não sabia que fazer. Ficaria escandalizada por me encontrar deitado a seu lado, em vez de noutra cama? Pegaria na roupa e fechar-se-ia na casa de banho?
Exigiria que a levasse imediatamente para Ramsdale - para a cabeceira da mãe ou para o acampamento? Mas a minha Lo era uma rapariguinha que aceitava as coisas desportivamente. Senti os seus olhos sobre mim e quando, finalmente, soltou a sua querida casquinada, compreendi que eles também se tinham estado a rir. Virou-se para o meu lado e o seu cálido cabelo castanho pousou-me na clavícula. Fingi, mediocremente, que acordava. Ficámos deitados ao lado um do outro, quietos, acariciei-lhe docemente o cabelo e beijámo-nos também docemente. Para meu delirante embaraço, o beijo dela denunciava certos refinamentos assaz cómicos de palpitação e sondagem, que me fizeram chegar à conclusão de que devia ter sido ensinada, muito nova, por alguma pequena lésbia. Nenhum Charlie qualquer lhe podia ter ensinado aquilo. Como se quisesse verificar se eu estava saciado e aprendera a lição, afastou-se de mim um pouco e observou-me. Tinha as faces ruborizadas e o cheio lábio inferior a brilhar, húmido - e a minha dissolução estava eminente. De súbito, numa explosão de grosseira alegria (o sinal da ninfita), encostou a boca ao meu ouvido. Mas , durante um bom bocado, o meu espírito não conseguiu desintegrar em palavras a ardente trovoada do seu segredo, e ela riu-se, e afastou o cabelo da cara, e tentou de novo, e gradualmente, ao compreender o que ela sugeria, tive a estranha sensação de viver num mundo novinho em folha, num louco mundo novo de sonho, onde tudo era permitido. Respondi-lhe não saber que jogo ela e Charlie tinham jogado. "Quer dizer que nunca...?", As suas feições desfiguraram-se numa expressão fixa de repugnada incredulidade. "Nunca fez..." recomeçou. Demorei algum tempo a acariciá-la. "Acabe com isso ouviu?", ordenou-me num guincho fanhoso, e apressou-se a afastar o ombro bronzeado dos meus lábios. (Era deveras curioso o modo como ela considerava - e continuou a considerar durante muito tempo - todas as carícias, excepto beijos na boca ou o acto puro e simples do amor, patetices românticas ou coisas anormais.)
- Quer dizer - insistiu, ajoelhada e debruçada para mim - que nunca fez aquilo quando era miúdo?
- Nunca - respondi, falando absolutamente verdade.
- Muito bem, é altura de começar.
Contudo, não enfadarei os meus eruditos leitores com um relato pormenorizado da presunção de Lolita. Bastará dizer que não detectei o mínimo vestígio de pudor naquela bonita jovem, ainda mal formada, a quem a co-educação moderna, os costumes juvenis, o diabo do acampamento, e etc., tinham depravado absoluta e irremediavelmente. Considerava o acto completo do amor apenas como uma parte do mundo furtivo dos jovens, desconhecido dos adultos. O que os adultos faziam com fins procriativos não era com ela. A minha virilidade foi manejada pela pequena Lo, de um modo enérgico e prosaico, como se fosse um mecanismo insensato em nada relacionado comigo. Embora ansiosa por me impressionar com o mundo dos garotos tesos, não estava de modo algum preparada para certas discrepâncias entre a virilidade de um fedelho e a minha. Só o orgulho a impediu de desistir - pois, na estranha situação em que me encontrei, fingi uma estupidez suprema e deixei-a proceder à sua maneira - pelo menos enquanto pude resistir. Mas, na realidade, estas questões são irrelevantes; não estou interessado no chamado sexo, nada interessado. Qualquer pessoa pode imaginar esses elementos de animalidade. Um grande empenho me seduz e obriga a prosseguir; estabelecer de uma vez para sempre a perigosa magia das ninfitas.

em «Lolita», Vladimir Nabokov

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