segunda-feira, fevereiro 14, 2011

vou pensar melhor a ver se eu próprio entendo

Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. É quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. Ou se bate forte com a cabeça. Pelo menos comigo foi assim. Ou como quando se dá uma conjugação de astros no infinito, deve vir nos livros. Ou mais provavelmente esse tempo nunca pôde existir, que é quando realmente existe o que vale a pena existir. Vou pensar melhor a ver se eu próprio entendo. Ponho-me a lembrar o que passou e o que me lembra é só a tua presença forte ao pé de mim. E depois acabou. Deves ter achado que era de mais e então acabou. Foste para não sei onde e estás lá fixa quando te lembro. Na realidade foi tudo muito mais devagar. Mas tudo quanto foi acontecendo foi o modo circunstancial de haver agora eternidade acima dessa circunstância - expliquei-me?

Vergílio Ferreira, em «Em Nome da Terra»