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— Este desassossego é mortal.
— Surpreende-me.
— Enterro-me em ti, e ardo.
— Arderás. E depois, ardida, me queimarás. Embora eu não saiba como. Estou a deixar-me apaixonar pelo teu engenho.
— Talvez não te surpreenda mas quero um filho.
— Ontem perguntavas se eu faria a vasectomia, hoje queres um filho.
— Um filho igual a ti. Bodas de sangre. Mas vejo que não me conheces. Revelo-te o meu fogo e mandas-me resolver o assunto com o meu homem! Estou zangada, furiosa. Pensei que nos amávamos como nunca!
— Eu não disse nada disso. Depois de começares a foder comigo esperarei pacientemente que procurasses outro bicho.
— Sem ciúmes?
— Sem ciúmes.
— Dá-me um sinal, uma prova de amor. A noite foi amargurada, a acordar às 4 da manhã a querer-te a apertar-te a ir à tua fotografia a querer saber de ti. A posição os olhos as mãos os lábios… e medo muito medo: e se não gostas de mim ao vivo? Se não há o arrepio?
— Mas eu começo a ficar apanhado por este mistério, que me dá um grande gozo (ao sexo, à mente, ao coração) mas dói. Sabes? Sentes?
— Sinto. Mas até que ponto me desejarás? Um episódio?
— O amor é um episódio, umas vezes maior, outras mais pequeno.
— Extasias-me. Passo 24 horas a sentir que estou viva e que sou mulher e que sou capaz de tudo por ti. Sentes o mesmo?
— Não. Estás a ser irrealista. A evolução da vida acontece a partir do que se é aqui e agora e eu estou a ver-te saltar não sei para onde.
— O nosso caminho tem muitas curvas mas há uma que, se a virar contigo, não recuarei. E tu?
— Para mim é tudo transitório.
— Estou então a ser irrealista? Sei que nada é para sempre mas quero viver como se fosse. Quando sou tenho que me sentir única.
— Cada um dos nossos outros é único. E pode ser profundo com só sexo ou até sem sexo nenhum. Cada casal amoroso encontra a sua via, todas diferentes. Temos a nossa. Falta-te alguma coisa?
— Não me falta nada. Temos o melhor desta vida um com o outro. Só me falta provar a tua língua, mas será preciso?
— Sim. Só falta comermo-nos um ao outro. Tens medo de quê?
— Medo do tempo que leva até chegar aí. Como é que consegues esperar tão calmamente?
— Ambição primeira, que ninguém me prenda.
(...)
Casimiro de Brito, em «Livro de Eros»
segunda-feira, julho 19, 2010
Até que ponto me desejarás? Um episódio?
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1 comentário:
"Tudo o que nos acontece nasce de um acaso tal como um rio nasce sempre de uma primeira gota de água. E depois vem outra e outra."
idem
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