sexta-feira, janeiro 30, 2009

Somos sempre indulgentes com aqueles que vamos deixar

Tu já não me amas. Se consentes em ouvir-me durante uma hora é porque somos sempre indulgentes com aqueles que vamos deixar. Ligaste-me e agora desligas-me. Não te censuro, Gherardo. O amor de alguém é um presente tão inesperado e tão pouco merecido que devemos espantar-nos que não no-lo retirem mais cedo. Não estou inquieto por aqueles que ainda não conheces, ao encontro de quem vais e que porventura te esperam: aquele que eles vão conhecer será diferente daquele que eu julguei conhecer e creio amar. Não se possui ninguém (mesmo os que pecam não o conseguem) e, sendo a arte a única forma de posse verdadeira, o que importa é recriar um ser e não prendê-lo. Gherardo, não te enganes sobre as minhas lágrimas: vale mais que os que amamos partam quando ainda conseguimos chorá-los. Se ficasses, talvez a tua presença, ao sobrepor-se-lhe, enfraquecesse a imagem que me importa conservar dela.

em «O Tempo, esse grande escultor», Marguerite Yourcenar
Edição Difel

3 comentários:

Teresa disse...

É incrível como os grandes escritores nos desnudam...até ao osso!!

Anónimo disse...

Sim, o excerto é muito bom!

Anónimo disse...

A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é.
E é difícil explicar a alguém Quanto isso me alegra, e quanto isso me basta.

ACaeiro

Tão mais simples!