sábado, fevereiro 14, 2009

O Operário em Construção (1/2)

Era ele que erguia as casas
Onde antes só havia chão
como um pássaro sem asas
Que lhe brotavam da mão
Mas tudo desconhecia

Da sua grande missão
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender que um tijolo
Valia mais do que um pão
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia…
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção

Mas ele desconhecia
esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário

De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele um humilde operário
Um operário em construção
Olhou em torno: gamela,
Banco, enxerga, caldeirão,
Vidro, parede, janela;
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão~
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Eu sermpre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que a sua marmita
Era o prato do patrão
Que a sua cerveja preta
Era o wisque do patrão
Que o seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que os seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que a sua imensa fadiga
Era amiga do patrão
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
“… Convençam-no” do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.

(...)

O Operário em Construção - Vinícius de Moraes

1 comentário:

Anónimo disse...

O homem operário em construção tem um grande ponto a seu favor. Normalmente é muito inteligente, culto e com um sentido de humor mordaz que utiliza a seu favor. Mas acho que também pode ser do género intelectual de esquerda, adora apresentar um estilo neglige, barba por fazer ou anda vestido de preto, regra geral são solteiros aos 37 anos, mas são deliciosamente encantadores...
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