quarta-feira, abril 11, 2007

Faces redondas

Porém, mesmo do ponto de vista das coisas mais insignificantes da vida nós não somos um todo materialmente constituído, idêntico para todas as pessoas, e de que cada um não tem mais que tomar conhecimento, como se se tratasse de um livro de contabilidade ou de um testamento; nossa personalidade social é uma criação do pensamento alheio. Até o acto tão simples a que chamamos «ver uma pessoa que conhecemos» é em parte uma acção intelectual. Preenchemos a aparência física do ser que vemos com todas as noções que temos a seu respeito, e, para o aspecto global que nos representamos, tais noções certamente entram com a maior parte. Acabam por arredondar tão perfeitamente as faces, por seguir com tão perfeita aderência a linha do nariz, vêm de tal forma matizar a sonoridade da voz como se esta fosse um envoltório transparente, que, cada vez que vemos esse rosto e ouvimos essa voz, são essas as noções que reencontramos, que escutamos.
in No caminho de Swamm - Marcel Proust

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